No meu 4º ano do Curso de Engenharia Químico-Industrial (1961/1962) tive uma cadeira de Química Orgânica, leccionada pelo Prof. Henrique Serrano. Na abordagem de algumas famílias de substâncias orgânicas, dizia-se que eram utilizadas como aceleradores de vulcanização. O que, para nós, nada significava em especial; não sabíamos o que era a vulcanização. Bom, a palavra acelerador já nos dizia alguma coisa… Era o que a sebenta dizia… e se tal nos fosse perguntado, era apenas isso que teríamos de responder…
No termo do mesmo 4º ano do Curso de Engenharia Químico-Industrial tinha de efectuar o meu primeiro estágio profissional. Como bolseiro da Associação Industrial Portuense (agora extinta), foi-me proposto pelo Engº Mário Borges, seu Presidente, um estágio numa fábrica de… borracha, a Fapobol. Borracha? Nunca tinha ouvido falar disso! Nem quando falamos dos famosos aceleradores de vulcanização. E solicitei ao Engº Mário Borges se não existiria uma outra empresa para estagiar, que produzisse algo mais digerível… Claro que existia: era a Refinaria Angola, em Matosinhos, empresa que fabricava açúcar, coisa que eu bem conhecia… e era doce! E durante 30 dias por lá fiquei, sob a orientação de um engenheiro químico sénior, o Engº Siza Vieira (o pai do conhecido arquitecto); a estudar a cristalização do açúcar branco, refinado, nos famosos tachos de vácuo.
Terminada a licenciatura, fui cumprir o Serviço Militar, obrigatório na época e que vinha sendo adiado, por causa da licenciatura. E por lá fiquei 41 longos meses (Janeiro de 1965 a Maio de 1968). Fui colocado, sucessivamente, em Tavira (recruta), Sacavém (especialização) e Lisboa (Depósito de Material de Guerra, Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras e Oficinas de Beneficiamento de Munições) . Após a recruta e com as habilitações de engenheiro-químico, foram-me dadas, sucessivamente, as graduações de Aspirante a Oficial Miliciano, depois de Alferes Miliciano Engenheiro do Serviço de Material e, quando estava quase de saída, Tenente Miliciano Engenheiro do Serviço de Material. Estive sempre ligado a munições, seu beneficiamento, conservação e também destruição (quando obsoletas ou não operacionais).
Em Maio de 1968 terminei o meu serviço militar. Trabalhava, então, já em regime de part-time, no Departamento de Metalurgia da Junta de Energia Nuclear, em Sacavém, onde também residia. A partir de Maio, passei ao regime de full-time. Gostava do meu trabalho de investigação; era então assistente do Investigador Engº J. T. Henriques Domingues, no Estudo da reacção do Nióbio com o Azoto a altas temperaturas.
Mas pretendia, em boa verdade, regressar à minha cidade natal… Para além disto, tinha também outros motivos de natureza familiar.
Mais uma vez e como antigo bolseiro da já referida e extinta Associação Industrial Portuense e a meu pedido, meu falecido e querido Pai solicitou ao seu Presidente, o já referido Engº Mário Borges, a indicação de alguma empresa que necessitasse de um engenheiro químico. E foi proposto pelo Senhor Engº Mário Borges um possível emprego na empresa Fapobol – Fábrica Portuense de Borracha, Lda. Mais uma vez…a Borracha! Perseguição ou o meu destino traçado?
E, como eu e minha família queríamos mesmo regressar ao Porto engoli, desta vez, o sapo de Borracha…
Outra razão terá pesado na decisão! Talvez porque me começou a parecer que não seria assim uma coisa tão intragável. É que o meu Colega Joaquim Matos (já referido como um dos Portugueses na Indústria da Borracha) trabalhava então na Firestone Portuguesa, em Alcochete, onde estava já havia alguns anos. E este transmontano, de gostos bem refinados, parecia gostar…
Na sequência desta possibilidade, fui a uma entrevista, na delegação da empresa Fapobol em Lisboa, na Rua D. João V, onde fui recebido pelo Exmo. Senhor José António Pinto de Sousa, filho de um dos sócios da empresa, o Exmo. Senhor José Pinto de Sousa. Fui admitido e iniciei a minha actividade no dia 2 de Setembro de 1968.
Vista aérea da empresa Fapobol, na cidade do Porto, em 1968
Quando iniciei funções na empresa, tive o prazer de encontrar um Colega do ano anterior ao meu ano de formatura: o Engº Alexandre Reis. E fiquei satisfeitíssimo ao vê-lo. Afinal não iria estar assim tão só, numa empresa onde todos os seus colaboradores eram, para mim, naturalmente estranhos. Tal como eram os processos de fabrico e o Laboratório, onde fui colocado, sob a orientação de um técnico inglês, o senhor Leonard Wood. Mas o meu entusiasmo depressa se dissipou, quando o Colega Alexandre Reis me disse que estava de saída e eu ia, afinal, substituí-lo!
E uns dois dias depois de eu ter iniciado funções, o meu Colega cessou as suas… E praticamente não tive grande oportunidade para uma troca de opiniões…
No 2º Painel da Indústria da Borracha, realizado na Figueira da Foz, no longínquo ano de 1988, apresentei um trabalho com o título “Aplicação de Elastómeros em Engenharia”. Então, na Introdução, eu escrevi:
“Quem, há cerca de duas décadas, dava os primeiros passos na Indústria da Borracha, depois de terminados os seus estudos sentia, inevitavelmente, uma sensação estranha ao deparar com equipamentos – fabris ou de laboratório – que constituíam uma verdadeira novidade. Assim, como novidade era, até certo ponto, a própria linguagem da Indústria e também a física e a química dos seus processos. Posso afirmar que, a nível pessoal, a primeira impressão foi desagradável!”
E assim foi, na verdade. O Laboratório possuía muitos equipamentos, mas quase todos estranhos para mim; excepto o tensómetro, aparelho algo parecido com aquele com que tinha trabalhado na minha passagem pela Metalurgia (Junta de Energia Nuclear). Nada da aparelhagem conhecida, nada de tubos de ensaio, globlets, matrazes e colunas de destilação. Tudo muito cinzento…
Nas diversas secções fabris – e eram muitas – os equipamentos eram também novidade; nada de colunas de destilação fraccionada, nada de evaporadores, nada de reactores… Daí o meu desencanto, relativamente aquilo que eu esperava. Mas comecei a trabalhar. E comecei a gostar…
E no dia 24 de Novembro de 1968 viajei para Manchester, para efectuar o meu primeiro estágio. Na ICI – Imperial Chemical Industries, em Blackley, Manchester. A ICI era uma das empresas fornecedoras das matérias-primas utilizadas pela Fapobol. A possibilidade de estágio foi dada pelo Director da ICI em Portugal, o Sr. C.N. Cowling.
O estágio decorreu durante duas semanas, tendo sido acompanhado por vários técnicos especialistas: B. Williams (Ingredientes para borracha e compostos de borracha); B.T. Ashworth (Antioxidantes, antiozonantes e aceleradores para borracha); K. Crawford (Borracha natural e borrachas sintéticas. Foi-me então apresentado um composto para solas, baseado em borracha natural, borracha SBR e resina de estireno); W. G. Perret (Borracha de etileno, propileno, dieno – EPR’s; e foram apresentados alguns exemplos de compostos, com este tipo de borracha); D. C. H. Brown (Algumas aplicações da borracha: camelback, tapetes, correias transportadoras, correias de transmissão, câmaras-de-ar, ebonites, etc.); P.R. Shaw (Envelhecimento da borracha); E. Gee (Ensaios físicos da borracha); T. Sweeney, G.H. Rainier e Mrs. Sharma (Visita aos Laboratórios e ensaios). A formação englobou, naturalmente, aspectos teóricos, práticos e trabalhos experimentais, num pequeno misturador de rolos e ensaio dos compostos produzidos, para determinação de várias das suas propriedades.
Foi-me fornecida muita documentação técnica, incluindo formulários com vários tipos de borrachas (naturais e sintéticas), com os vários aditivos produzidos pela ICI. Entre a documentação destaco um pequeno livro de bolso, que me foi muito útil durante vários anos: “The Rubber Technologist’s Pocket Book“.
ICI Hexagon House, Blackley, Manchester, Inglaterra
O famoso “The Rubber Technologist’s Pocket Book”
No termo deste estágio, viajei para Stevenage, Welwyn Garden City, onde efectuei um estágio de dois dias na ICI Plastics, onde tive formação sobre o uso de resinas de estireno (o então famoso Butakon S8551, já utilizado na Fapobol; uma resina de alto teor em estireno – HSR 85/15). A formação englobou também aspectos teóricos, práticos e trabalho experimental. Foi também fornecida documentação técnica.
4.3 Visita aos Laboratórios de MRPRA – Malaysian Rubber Producers Research Association
No termo dos estágios na ICI, viajei para Brickendonbury, Hertford, para visitar os laboratórios do então MRPRA – Malaysian Rubber Producers’ Research Association, presentemente designado por Tun Abdul Razak Research Centre, onde fui recebido pelo Dr. G. F. Bloomfield (amigo pessoal do meu Director, Leonard Wood), o qual me descreveu os trabalhos ali desenvolvidos e mostrou os vários laboratórios de investigação. Foi fornecida documentação técnica e formulário de borracha natural.
MRPRA – Malaysian Rubber Producers’ Research Association, Brickendonbury, Hertford, Inglaterra
Para terminar esta digressão, desloquei-me até Hythe, Southampton, para visitar a empresa produtora de borracha sintética, ISR – International Synthetic Rubber. Fui recebido e acompanhado na visita às instalações pelos senhores W.S. Cambpell e L.N. Glanville. A visita decorreu durante dois dias; o primeiro dedicado aos Laboratórios (Formulação e ensaios) e o segundo às instalações fabris, onde eram produzidas as borrachas Intol, Intex, Intene e Unidene.
Finalmente, no dia 14 de Dezembro, regressei ao Porto. Esta foi a minha primeira digressão e contacto com empresas estrangeiras ligadas a Borracha. Foi muito útil, mas sempre pensei que teria sido ainda mais útil se efectuada após um maior contacto prévio com esta indústria. Digamos, à distância de seis meses a um ano, após o meu ingresso na Fapobol. Seguramente teria apresentado outro tipo de dúvidas e a aprendizagem teria sido bem mais frutuosa.
No dia 7 de Fevereiro de 1971 iniciei a viagem de avião que me levou até Colónia, onde fiquei alojado na Bayer Gastehaus. Actualmente este edifício é um hotel (o Hotel Friends).Entre os dias 8 e 11 de Fevereiro permaneci em contacto com vários técnicos da Bayer, nomeadamente o Dr. Jakob Ippen (abordou os vários processos de fabrico, com particular ênfase para o processo de Vulcanização), Dr. Jean Mirza (ligação borracha-têxteis e produção de correias transportadoras), Dr. Goebel (Baypren), Dr. Fries (antioxidantes, antiozonantes e aceleradores) e os senhores H. Kahrl e H. Gebers (aplicações em Calçado). Visitei os laboratórios e as várias unidades piloto.
Vista aérea da Bayer A.G., em Leverkusen, Alemanha
No dia 12 de Fevereiro de 1971 visitei a empresa Hoesch Chemie GmbH, fabricante de sílicas e silicatos precipitados (Ks-207, KS 300 e KS-404). Esta empresa pertence actualmente ao Grupo Grace (Grace Silica GmbH), depois de uma passagem pela gestão da Akzu. Tive então a oportunidade de visitar os laboratórios e a unidade fabril, acompanhado pelo Dr. Ernst Seeberger e pelo técnico Sr. Jayanthumar Shah. Fornecida documentação técnica e algum formulário.
Instalações da Hoesch Chemie GmbH, em Düren, Alemanha
No dia 14 de Fevereiro de 1971 parti de Colónia para Bruxelas onde viria a encontrar-me com o responsável da área das borrachas na Esso Standard Portuguesa, o Engº Alfredo Appleton. A partir do dia 15 tive um curto estágio no N.V. Esso Research Center, em Diegem. O meu tempo de formação foi distribuído pelos técnicos Dr. G. Figini, B. Costemalle e S.H. Coulson e abordou, basicamente, a aplicação de borrachas Vistalon (EPDM) na produção de vários artefactos em borracha (perfis, correias transportadoras, mangueiras, membranas de impermeabilização e artefactos diversos), e de borrachas butílicas ou butílicas halogenadas utilizadas na produção de outros tipos de artefactos (câmaras-de-ar, membranas de impermeabilização, correias transportadoras, etc.)
Foi-me fornecida muita documentação técnica sobre materiais para borracha produzidos pela Esso – borrachas sintéticas (Vistalon – EPDM, e Esso Butyl – IIR e HIIR), plastificantes (Flexon) e formulários para diversos tipos de aplicações.
Instalações da N.V. Esso Research Center, Diegem, Bélgica
Esta empresa fornecia à Fapobol vários tipos de telas, lonas e cords, para os seus diversos fabricos (calçado, folhas de borracha com reforço de tela, correias transportadoras, pneus, etc.). Nela trabalhava o Sr. José Olo Borges, que havia sido meu Colega num curso Têxtil obtido na Escola Industrial Infante D. Henrique, no Porto. Era este Colega e o Sr. José Las Casas que visitavam regularmente a Fapobol. Onde surgiu, afinal, o convite para eu visitar a fábrica. Empresa que visitei, pela primeira vez, em 1971.
Ainda no ano de 1971 visitei a empresa Barwell Engineering, Ltd, localizada em Swavesey, Cambridge. Fui recebido pelo Sr. Michael Sharp. Visitei as instalações fabris deste fabricante de preformadoras. Equipamento que a Fapobol estava interessada em adquirir e que se encontrava já em fase avançada de negociação e que veio efectivamente a concretizar-se. O Sr. Sharp acompanhou-me também a uma pequena empresa existente nas proximidades da sua empresa e que possuía uma preformadora para artefactos técnicos em borracha. Assim, pude observar este equipamento em funcionamento e verificar algumas das suas possibilidades.
Esta visita ocorreu em Abril de 1971. Esta empresa era fabricante de prensas hidráulicas, em particular para a indústria da borracha. Era um dos fornecedores da Fapobol deste tipo de equipamentos de vulcanização. Empresa localizada em S. Tiago de Custóias, Leça do Balio.
Participei nesta Jornada, realizada nas instalações do ITFI – Instituto Técnico de Formação Intensiva, no Porto, realizado em 9 e 10 de Dezembro de 1971.
Revisão em 2020-04-26