Navegação
A concepção e projecto de artefacto de borracha é uma tarefa que exige um perfeito conhecimento dos elastómeros e das suas propriedades. A ciência dos elastómeros nada tem de transcendente; é apenas necessário que os elastómeros sejam tratados como tais, pois que muitos conceitos, válidos para outros materiais (como é o caso dos metais, por exemplo), ou não são aplicáveis ou possuem um significado diferente. As borrachas (ou as suas composições), exibem propriedades que lhes são peculiares e estas propriedades podem variar com a temperatura e com o meio envolvente, em períodos de tempo relativamente curtos, sobretudo quando comparados com os tempos de vida de outros materiais.
Esta perda de propriedades pode comprometer, de uma forma definitiva, o desempenho satisfatório dos artefactos de borracha. Na sequência da trágica explosão da nave espacial Challenger, que ocorreu em 28 de Janeiro de 1986 (quando do seu lançamento e em que morreram os seus sete tripulantes), a comissão que conduziu a investigação às causas do acidente concluiu que a falha técnica foi causada por:
As conclusões sobre as causas deste dramático acontecimento da História Espacial, evidenciam como é crítica e importante a correcta concepção e projecto de um artefacto de borracha, seja ele um (aparentemente) simples O-ring!
Das conclusões ressalta também a imperiosa necessidade de articular os pontos de vista dos técnicos envolvidos na concepção mecânica e na concepção do artefacto em borracha.
Ninguém tem dúvidas de que neste preciso momento e nos mais variados pontos do globo – e também fora dele – milhões de artefactos em borracha desempenham as mais diversas funções, com maior ou menor eficácia, contribuindo de una maneira, mais ou menos decisiva, mais ou menos importante, para o progresso da humanidade.
Temos também consciência de que a concepção e o projecto dos artefactos de borracha são muitas vezes dificultados pelo desconhecimento de muitas das variáveis envolvidas; assim, os métodos tradicionais de cálculo matemático quando aplicados aos elastómeros falham muitas vezes, razão pela qual o técnico projectista socorre-se da experiência adquirida e, em muitas situações, a utilizar o referido método de tentativa e erro, para encontrar aquela que pensa ser, naquele momento, a melhor solução – a melhor até que seja conseguida uma solução que a supere. Em muitos casos, deparam-se ao projectista situações de incompatibilidade entre alguns dos requisitos, o que exige seja tomada uma solução de compromisso, por vezes muito precária.
O projectista deve, por outro lado, conhecer as possibilidades e limitações do tecnologista. Podemos dizer que é necessário que, de um e do outro lado, exista uma boa compreensão do problema a resolver e que qualquer dos técnicos tenha um mínimo de conhecimentos na área de transição (Figura 1):
Sabemos que é enorme o número de diferentes composições que é possível obter com determinado tipo de borracha ou mistura de borrachas. Para uma aplicação particular, “a nossa” composição actual pode ser BOA, mas não é necessariamente a MELHOR. Pode existir – e existirá seguramente – uma outra que é superior, e isto sempre numa perspectiva técnica e económica. A tarefa de optimização de compostos de borracha é, neste ponto de vista, uma actividade permanente. Tarefa que, do ponto de vista da Qualidade, poderemos enquadrar na melhoria contínua dos processos.
Sabemos também que uma mesma composição, produzida numa fábrica ou numa outra, apresenta características físicas y mecânicas diferentes. Também, na mesma fábrica, uma mesma composição, aparentemente produzida com as mesmas matérias-primas e nas mesmas condições, apresenta variações nas suas propriedades físicas e mecânicas, em resultado de variações, de maior ou menor amplitude, introduzidas no processo de fabrico. Processo que se inicia na secção de preparação e pesagem, mas que não termina nos equipamentos de vulcanização ou de acabamento, mas sim no termo do período de armazenagem, mais exactamente no momento em que o artefacto é colocado em serviço.
O projectista tem assim de considerar, para as diversas características, determinados valores (máximos o mínimos); tem de considerar uma projecção desses valores para um determinado período de serviço; tem de considerar também, em muitos casos, os factores de segurança que a experiência aconselha como mais adequados.
Devemos referir que um grande número de produtos de borracha não são constituídos apenas e somente por borracha; em muitos produtos a composição elastomérica está associada a outros materiais, normalmente têxteis, metais ou plásticos – formando estruturas do tipo compósito, com características mais o menos flexíveis.
Recordemos que uma das primeiras aplicações da borracha natural, foi precisamente na impermeabilização de tecidos para vestuário (Macintosh, 1823). Hoje em dia, e como estruturas do tipo compósito mais correntes, podemos citar os pneumáticos para veículos automóveis, as correias transportadoras e de transmissão de movimento, as mangueiras, barcos e defensas pneumáticas, diafragmas e juntas, as “saias” dos “hovercrafts”, etc., etc.
Em aplicações em que o elastómero está associado a outros tipos de materiais, o técnico projectista deve somar aos seus conhecimentos sobre materiais elastoméricos, um bom conhecimento sobre materiais têxteis, metais e plásticos e sobre os sistemas de adesão, para obter uma boa ligação à borracha, para que resulte uma combinação eficaz com os diferentes materiais.
Durante várias décadas e considerando a reduzida especialização da generalidade das empresas portuguesas de artefactos de borracha, aos seus quadros técnicos era exigido possuírem um conhecimento, com maior ou menor profundidade, de todos os processos de fabrico de uma grande variedade de produtos e também de todas as tecnologias utilizadas.
Também é verdade que os quadros técnicos, na generalidade das empresas, eram escassos e, em consequência disso tinham, ao mesmo tempo, responsabilidades variadas, como as de projectista e de tecnologista, ou mesmo noutras áreas, tais como compras, comercial, manutenção, administração, etc.
Todavia, esta situação modificou-se um pouco nos últimos anos e assim já podemos encontrar algumas fábricas com elevado grau de especialização (as duas fábricas de pneus, algumas empresas de artigos técnicos e as empresas que fabricam apenas componentes para calçado. Por outro lado, o número de quadros técnicos é também maior e também mais especializado.
Sempre que uma empresa fabricante de artefactos de borracha recebe um pedido para concepção e projecto de um determinado artefacto, o pedido deve ser acompanhado por diversas informações, nomeadamente a função do artefacto, as suas condições de serviço (função estática ou dinâmica, tipos de solicitações, regime de temperatura, fluidos em contacto), a duração esperada, limitações geométricas e dimensionais, etc., etc.
Contudo, mesmo actualmente, muitos dos pedidos que chegam às empresas são muito escassos nas informações atrás referidas. Muitas vezes o pedido é formulado através de um – ou por vezes mais do que um intermediário e isto resulta, geralmente, num acréscimo de dificuldades. Noutros casos, é o próprio cliente que não revela a aplicação e as condições de serviço do artefacto, com receio de que “o seu artefacto” possa ser utilizado por terceiros. Todas estas situações não facilitam o seu estudo, pelo que não surpreende que, em muitos casos, ocorram insucessos. Felizmente que a frequência de pedidos feitos de uma forma correcta é cada vez maior e assim, muitos são recebidos bem documentados, com desenhos, especificações e caderno de encargos. Isto também acontece por que algumas empresas consumidoras de artefactos de borracha, começam a ter um melhor conhecimento do material borracha.
Todavia, é num cenário misto das situações extremas atrás referidas e de situações intermédias, que vivemos o nosso dia a dia nas empresas. Deveremos contrariar, sempre que possível, as situações de indefinição e de pouca clareza, mostrando ao cliente a grande vantagem em conhecer o maior número de informações sobre o artefacto a produzir, de forma a possibilitar a execução de um projecto mais adequado. O que não é sempre fácil e nem sempre resulta!
Na Tabela 1, apresenta-se um conjunto de informações que, na medida do possível, deve ser previamente conhecido, para que os trabalhos a realizar pelo projectista e pelo tecnologista seja facilitado.
Tabela 1: Informações sobre o artefacto a produzir |
---|
1. Qual é a função do artefacto (descrever); |
2. Artefacto estético (sim ou não); |
3. Cor ou cores pretendidas (definir a cor ou cores RAL); |
4. Local de serviço (serviço interior ou serviço exterior; artefacto protegido/artefacto não protegido); |
5. Exposição: ao calor e luz solar; à chuva; aos agentes atmosféricos em geral (oxigénio, ozono); condição de húmido ou de seco; |
6. Meio envolvente do artefacto: fluido ou fluidos em contacto (água, substâncias químicas diversas, gases, solventes, óleos, gorduras, etc.); |
7. Concentração das substâncias químicas; |
8. As substâncias em contacto são produtos alimentares? farmacêuticos? cirúrgicos? |
9. Amplitude da temperatura de serviço (temperatura mínima e temperatura máxima); |
10. O artefacto serve para vedar um fluido? (sim ou não) |
11. Deve ser permeável ou impermeável a um determinado fluido ou fluidos? (sim ou não) |
12. Transporta um fluido? Que fluido? A que temperatura? A que pressão? Pressão constante? Ciclos de pressão? Há “picos” de pressão?; (indicar valores) |
13. Transmite energia? (sim ou não) Forma de transmissão e potência transmitida; |
14. O artefacto está em contacto com outra ou outras superfícies? (sim ou não). Se sim, qual ou quais. |
15. É tolerável manchamento por contacto? (sim ou não) |
16. Absorve energia? (sim ou não) Forma de absorção e potência absorvida; |
17. O artefacto está sujeito a acções abrasivas (sim ou não). Se sim, quais são os requisitos e normas a respeitar. |
18. É um suporte estrutural? (sim ou não) Se sim, descreva a sua função; |
19. A que tipos de solicitações o artefacto é submetido? Descreva:
|
20. Existem esforços combinados? De que tipo? Descreva; |
21. Quais são as deformações permanentes aceitáveis? |
22. As solicitações são estáticas ou dinâmicas? Se as solicitações são dinâmicas, qual é o valor da sua frequência? Qual é a sua amplitude? ; |
23. O artefacto deve possuir resistência â chama? (sim ou não). Se sim, qual a norma a que deve obedecer. |
24. São exigidas propriedades eléctricas? Que tipo de propriedade? (propriedades anti-estáticas, resistividade volúmica, resistividade superficial, factor de potência, tensão de disrupção, constante dieléctrica, reactância capacitiva, factor de dissipação). Normas aplicáveis. |
25. Dimensões; dimensões críticas; |
26. Tolerâncias; |
27. Limitações geométricas e dimensionais; |
28. Tipo de aspecto superficial (brilhante, mate, rugoso, polido, etc.) Grau de acabamento superficial do molde (se utilizado); |
29. Rebarbas (espessura e dimensão tolerada); |
30. Linhas de partição do molde (se utilizado); |
31. Pontos de injecção (quando aplicável); |
32. Outras propriedades que deve apresentar; |
33. Inserções metálicas, plásticas, têxteis ou outras; |
34. Materiais de reforço (fibras, fios, cabos, tecidos, etc.); |
35. Tipo de acabamento superficial; |
36. Existem desenhos?; |
37. Existem especificações?; |
38. Existe caderno de encargos? ; |
39. Duração esperada para o artefacto; |
40. Facilidade de substituição; |
41. Quantidade de artefactos a produzir; |
42. Cadência de entregas; |
43. Outras informações que sejam consideradas relevantes. |
De uma forma geral, podemos dizer que a concepção de um artefacto em borracha engloba as seguintes fases:
Vamos analisar agora, sucessivamente, as fases referidas.