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Estes agentes de protecção estática podem considerar-se antiozonantes físicos. O efeito retardador da deterioração dos produtos de borracha pelas ceras foi descoberto em 1881 pelos alemães V. Kreussler e E. Budde, que então registaram a primeira patente sobre a protecção de produtos vulcanizados de borracha, por um tipo de barreira física, a qual consistia na adição, ao composto de borracha, deste tipo de substâncias. Em 1885 o inglês J. Thomson mencionava, no Journal of Society of Chemical Industry, os efeitos destrutivos causados pelo ozono na borracha. Estes fenómenos vieram a ser estudados com mais profundidade a partir de 1920.
As ceras apresentam, à temperatura ambiente, uma pequena solubilidade na borracha. A adição de uma dosagem superior a essa solubilidade vai originar a migração da cera para a superfície do artefacto vulcanizado, formando uma película com determinadas características (espessura, flexibilidade, elasticidade e aderência à superfície do vulcanizado). Esta película oferece uma barreira física de protecção contra a acção do ozono.
Existem vários tipos de ceras utilizadas na Indústria da Borracha:
Dos vários tipos de ceras, as mais importantes e mais utilizadas na Indústria da Borracha são, sem dúvida, as ceras derivadas do petróleo: as ceras de parafina e as ceras de parafina microcristalinas. Das restantes ceras, pela sua relativa importância, destacam-se as ceras derivadas de decomposição ou fossilização de matéria orgânica, como as ozoquerites e a ceresin (que é uma versão purificada da ozoquerite natural), a cera Montan, extraída da linhite e a cera de abelhas, embora em franco desuso.
Vamos analisar as características destes tipos que consideramos principais de ceras de protecção:
Ceras derivadas do petróleo
Estas ceras são hidrocarbonetos da série dos alcanos, isto é, obedecendo à fórmula geral CnH2n. São classificadas em três grupos:
Parafinas normais
São parafinas em que o número de átomos de carbono pode variar entre 18 e 30 e a cadeia molecular tem uma estrutura linear. Nestas condições as cadeias moleculares podem formar feixes ou mesmo cristais, podendo considerar-se este tipo de parafinas como cristalinas. No entanto, à medida que o peso molecular aumenta, surgem ramificações na cadeia hidrocarbonada, que por regra não excedem 30%, diminuindo a sua cristalinidade. Dentro deste tipo de parafinas existem vários tipos, o que tem a ver com sua pureza (grau de refinação): parafinas semi-refinadas e parafinas refinadas.
Parafinas intermediárias
Nesta classe de parafinas, com o aumento do peso molecular aumenta também o número de ramificações na cadeia principal, o que lhes confere uma estrutura de iso-alcanos típica, com o número de átomos de carbono a variar entre 20 e cerca de 50. Nestas condições, a percentagem de alcanos lineares é reduzida a cerca de 30% e neste tipo de parafinas a compactação molecular é mais difícil assim como a sua cristalização.
Parafinas microcristalinas e amorfas
Nesta classe de parafinas, o número de átomos de carbono a variar entre 30 e cerca de 80. A percentagem de alcanos lineares é muito reduzida, compreendida entre 0 e 30%. Neste tipo de parafinas a compactação molecular é ainda mais difícil assim como a sua cristalização. A complexidade das cadeias moleculares aumenta com o grau de ramificação da cadeia hidrocarbonada (com diversos tipos de isómeros), o que se acentua com o aumento do peso molecular. Este tipo de parafinas, contrariamente às parafinas normais, caracteriza-se pela formação de cristais de muito pequena dimensão. A microcristalinidade pode não ser total e a parafina pode conter fases microcristalinas e fases amorfas.
Comparação das parafinas normais e microcristalinas (Quadro 4).
Quadro 4 – Comparação de diferentes tipos de parafina | ||
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Características | Parafinas normais | Parafinas microcristalinas |
Estrutura molecular dominante | Cadeias lineares CnH2n não ramificadas | Cadeias ramificadas CnH2n (iso-parafinas) |
Número de átomos de carbono | 18 – 30 | 30 – 80 |
Número de peso médio molecular | 350 – 420 | 580 – 800 |
Ponto de fusão | 46 – 70 ºC | 54 – 95 ºC |
Penetração ASTM D1321@ 25ºC, dmm | 9 – 20 | 4 – 33 |
Cristalinidade | Cristalina | Microcristalina / Amorfa |
Tipo de película | Quebradiça | Flexível |
Adesividade da película | Pouco aderente | Aderente |
Opacidade | Translúcida | Opaca |
Dureza da parafina | Macia | Dura |
Cor | Branco | Branco a branco amarelado |
Cheiro | Sem cheiro | Sem cheiro |
Características de uma cera ideal
Uma cera de protecção para ser perfeitamente eficaz na protecção de um determinado composto de borracha deveria apresentar as seguintes características:
Como as ceras disponíveis no mercado não satisfazem a todos estes requisitos, a solução que se apresenta é o recurso a misturas de vários tipos de ceras, as quais, isoladamente, oferecem vantagens num ou noutro dos aspectos referidos.
Como se disse, a migração da cera para a superfície do artefacto é originada pela adição, em quantidade superior à que é permitida pela sua solubilidade na borracha à temperatura ambiente. Como se disse também, esta película formada na superfície do artefacto actua como barreira contra o ozono, evitando que o ataque às ligações duplas existentes no polímero se concretize. As ceras à base de parafina (como classe de ceras), tendem a migrar rapidamente, devido ao seu peso molecular relativamente baixo e elevada mobilidade das moléculas; os cristais de parafina são relativamente grandes e a sua estrutura não permite uma aglomeração tão compacta. Por esta razão, a película formada quebra com facilidade e não constitui, por isso, uma boa barreira impermeável ao ataque pelo ozono.
A solubilidade das ceras na borracha decresce rapidamente à medida que decresce o seu ponto de fusão. Dependendo do ponto de fusão, a solubilidade de parafinas e de parafinas microcristalinas varia entre 0 e cerca de 0,8 PHR. Excedido o limite de solubilidade, a velocidade de migração é sobretudo dependente da temperatura. Para assegurar uma protecção suficiente com respeito à temperatura, a cera deve apresentar um certo nível de insolubilidade numa larga zona de temperaturas, ou seja, a solubilidade deve variar muito pouco com a temperatura na zona de temperaturas pretendida (faixa de temperaturas de serviço). Uma velocidade de migração controlada tem a vantagem de permitir que uma posterior migração da cera para a superfície do artefacto venha colmatar zonas onde ocorreram perdas de película ou mesmo de borracha por acções de atrito ou mesmo desgaste. Deste modo, será possível assegurar que se forme e mantenha uma película de cera na superfície do artefacto, com espessura suficiente do ponto de vista de protecção. Esta película não deve ser, por outro lado, muito espessa, pois acções de flexão do artefacto podem causar tensões excessivas na película e originar fissuras. Estas fissuras, mesmo de grandeza microscópica, permitem o ataque do ozono. Como já referimos, estes ataques localizados são muito mais enérgicos e destrutivos.
Espessura da película de protecção
A espessura da película de cera formada na superfície do artefacto é função da sua temperatura de fusão (relacionada também com a distribuição de pesos moleculares das cadeias hidrocarbonadas e com o grau de isomerismo), da temperatura e do tempo decorrido. Vejamos as espessuras das películas formadas, observadas com parafinas normais e com microparafinas, de diferentes pontos de fusão (Quadro 5) (Dosagem das parafinas: 1,6 PHR)*.
Quadro 5 – Espessuras de películas vs. tipo de cera e seu ponto de fusão |
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Tipo de parafina | Ponto de fusão, ºC |
Espessura da película, em microns** |
Parafinas Normais | 52,2 | 0,41 |
55,0 | 2,40 | |
57,8 | 3,56 | |
60,0 | 2,64 | |
65,6 | 2,64 | |
68,3 | 2,06 | |
Parafinas microcristalinas | 74,5 | 1,30 |
80,5 | 0,92 | |
83,5 | 0,22 | |
85,0 | 0,15 | |
90,5 | 0,08 | |
Nota:
* Em “Ceras Antioxidantes na Indústria de Borracha, Leónidas Calvi (Monsanto), na revista Elastómeros, Parte I, Março/Abril de 1980, p. 28-30 e Parte II, Maio/Junho de 1980, p. 4-13”. |
A formação da película de cera na superfície do artefacto varia com a temperatura e com o seu peso molecular. A velocidade de migração da cera varia com a já referida mobilidade das suas moléculas. A mobilidade das moléculas de cera á função da temperatura e do seu peso molecular. Para um determinado tipo de cera, a formação da película na superfície do artefacto de borracha aumenta à medida que aumenta o seu peso molecular, atinge um valor máximo e depois decresce. As Figuras 5 a 8 dão uma ideia, de forma esquemática, da variação da mobilidade, da migração da cera e da formação da película em função da temperatura e do peso molecular. A formação da película é função do produto Mobilidade x Migração; a migração varia na razão inversa da solubilidade.
Na selecção de ceras para protecção da borracha contra a acção do ozono deve tomar-se em consideração a temperatura de serviço, de forma a seleccionar-se o tipo de cera com o ponto de fusão adequado (muitas vezes é indicado o seu ponto de solidificação). O nível de dosagem deve variar com o efeito pretendido e, obviamente, com os requisitos do artefacto; varia, em geral, entre 1 e 15 PHR. Indicam-se a seguir (Quadro 6) alguns tipos de artefactos e os níveis de ceras microcristalinas utilizados, com diferentes gamas de solidificação.
Quadro 6 – Níveis de dosagem indicativos | ||
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Tipo e artefacto | Gama de solidificação, ºC | Nível de dosagem, PHR |
Moldados | 52 – 62 | 2 – 10 |
Perfis | 4 – 15 | |
Celulares | 5 – 12 | |
Moldados | 58 – 64 | 2 – 10 |
Perfis | 4 – 12 | |
Pneus | 2 – 6 | |
Câmaras de ar | 2 – 4 | |
Celulares | 3 – 6 | |
Pneus (depende do tipo) | 63 – 68 | 2 – 6 |
Correias transportadoras | 1 – 4 | |
Aplicações dinâmicas | 2 – 6 | |
Perfis | 3 – 10 | |
Aplicações mecânicas | 2 – 6 |
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