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A cortiça é um material natural utilizado pelo homem desde há mais de 5000 anos. Há cerca de 3000 anos a.C., a cortiça era já utilizada em apetrechos de pesca, para vedar vasilhame e para outras aplicações, geralmente de natureza doméstica, na China, Egipto, Babilónia e Pérsia.
Um melhor conhecimento das características técnicas da cortiça, permitiu a sua utilização em diversos domínios, para além daquele que é conhecido de todos nós: como rolha em garrafas de vinho. Esta utilização data do início do século XVII e deve-se ao monge beneditino Dom Perignon. No ano de 1750 foi instalada a primeira fábrica de rolhas em Anguine (Espanha).
A cortiça é um material que combina uma baixa densidade, com uma excelente elasticidade e com uma quase total impermeabilidade. Mercê das suas excelentes propriedades como isolamento térmico, acústico e vibrático, a cortiça tem um vasto campo de aplicações, nomeadamente em Construção Civil e Engenharia Mecânica. A partir do início do século XX, o mercado dos produtos de cortiça utilizados na indústria de Construção Civil registou um enorme crescimento, sobretudo devido ao desenvolvimento dos aglomerados de cortiça, utilizados como isolamentos térmicose acústicos.
A aplicação da cortiça em calçado remonta aos tempos da antiga Grécia (1600 a 1100 anos a.C.), onde um tipo de sandálias, que era utilizado por homens e mulheres, possuía uma sola em couro ou em cortiça. Eram presas aos pés por meio de tiras, geralmente de couro (Figura 49).
O dramaturgo grego Aeschylus (525 a.C. – c.456 a.C./455) exigia que os seus actores actuassem calçados com sandálias que possuíam uma sola grossa de cortiça, de forma a não produzirem muito barulho ao caminhar.
A cortiça é um produto natural, extraído de uma árvore, em Portugal chamada sobreiro.
A cortiça é extraída da “casca” do sobreiro, árvore da família das Fagáceas, género Quercus, espécie Quercus Suber; esta “casca” é uma camada suberosa, que constitui o revestimento do seu tronco e ramos.
“Em botânica, o súber é um tecido vegetal de protecção mecânica e impermeabilizante, que substitui o córtex das plantas vasculares com crescimento secundário – é a “casca” das plantas lenhosas. A cortiça é o resultado da morte deste tecido, ou seja, quando as células perdem o citoplasma e fica apenas a parede celular suberificada”, (sic Wikipedia).
Esta espécie singular de árvore possui, como seu habitat natural, a bacia Ocidental do Mediterrâneo. Os principais países produtores são, por ordem decrescente de importância, Portugal, Espanha, Argélia, Itália, Marrocos, Tunísiae França. Em Portugal, o sobreiro abunda a sul do Tejo e em núcleos dispersos no resto do país como, por exemplo, nos vales quentes do rio Douro e seus afluentes.
A cortiça extrai-se, pela primeira vez, ao fim de 25 anos, pelo que é denominada de “cortiça virgem”; numa segunda extracção, a cortiça é denominada por “secundeira”. Contudo, terá de ser respeitado um intervalo mínimo de nove anos, entre os “descortiçamentos” seguintes.
Apenas a partir do terceiro descortiçamento – o que corresponde a cerca de 50 anos de idade do sobreiro, é que se aproveita a melhor cortiça, chamada “amadia”, a cortiça indicada para o fabrico de rolhas.
A cortiça apresenta uma estrutura alveolar ou celular como se pode verificar na Figura 50, que mostra uma observação em microscópio electrónico.
Como se pode observar na figura, cada célula tem a forma de um prisma, pentagonal ou hexagonal, cuja altura não ultrapassa os 40 a 50 milimicrons; as células mais pequenas podem medir 10 a 20 milimicrons. Cada centímetro cúbico de cortiça contém, em média, 40 milhões de células.
As células existentes na cortiça estão preenchidas com uma mistura gasosa de composição muito idêntica à do ar. Como as células são impermeáveis aos gases, esta mistura gasosa permanece dentro delas, fazendo-as comportar-se como autênticas “almofadas”, o que confere à cortiça uma boa recuperação a acções compressivas.
As células da cortiça são constituídas principalmente por suberina, representando 30 a 58% do seu peso (base matéria seca). Esta substância é muito complexa e a sua composição química exacta não é ainda conhecida. A suberina possui propriedades muito interessantes, pois é praticamente infusível, insolúvel na água, álcool, éter, clorofórmio, ácido sulfúrico concentrado, ácido clorídrico, etc.
As restantes substâncias que constituem a cortiça são a lenhina, polissacarídeos, taninos e ceróides. No Quadro 28 apresenta-se a análise típica de uma cortiça e a influência dos constituintes nas suas propriedades.
Constituinte | % peso | Influência nas propriedades |
---|---|---|
Suberina | 45 | Principal constituinte das células da cortiça, influencia decisivamente a elasticidade e a impermeabilidade aos líquidos e aos gases. |
Lenhina | 27 | Influencia as propriedades térmicas, acústicas e vibráticas da cortiça. |
Polissacárideos | 12 | Influencia a textura da cortiça |
Taninos | 6 | Influencia a cor da cortiça |
Ceróides | 5 | Como são compostos hidrófobos, influenciam o grau de impermeabilidade da cortiça. |
Quadro 28: Análise típica de uma cortiça e influência dos seus constituintes |
Vimos que a cortiça é um material constituído por células de paredes impermeáveis, que estão cheias com uma mistura gasosa que delas não pode sair. Vimos também que estas células são constituídas predominantemente por suberina e lenhina. Estes factos são os responsáveis por várias propriedades da cortiça, tais como:
No Quadro 29 são apresentadas algumas propriedades da cortiça.
Propriedade | Valor típico | Unidades |
---|---|---|
Densidade | 0,15 – 0,20 | – |
Porosidade | 0,5 – 22 | %(1) |
Capacidade calorífica | 2050 | Jkg-1K-1 |
Coeficiente de expansão térmica | 180,3 | x10-6/C |
Condutividade térmica | 0,028 – 0,044 | Wm-1C-1 |
0,024 – 0,038 | Kcal.h-1m-1C-1 | |
Tensão de rotura | 1,5 | MPa |
Módulo de Young | 18 – 32 | MPa |
Módulo ao corte | 0,005 | GPa |
Coeficiente de Poisson | 0,1 -0,2 | – |
Velocidade longitudinal de propagação do som | 0,050 | cm/ms |
Impedância acústica | 0,12 | Kg.10-6/s.m2 |
Quadro 29: Propriedades Típicas da Cortiça |
Cinco propriedades da cortiça são responsáveis pelo interesse que este material apresenta para a Indústria do Calçado:
É muito utilizada na confecção de cunhas e de plataformas, em especial para calçado de senhora, para o fabrico de palmilhas (nomeadamente palmilhas anatómicas, ortopédicase para diabéticos) e de vários tipos de ortóteses.
Na Figura 51 apresentam-se alguns tipos de sapatos de senhora com tacão em cunha e plataformas de diversas configurações.
Na Figura 52 apresentam-se outros tipos de calçado com elementos em cortiça.
Na Figura 53 apresentam-se alguns tipos de palmilhas.