Agentes de Superfície
Na formulação dos compostos de borracha é normalmente desejável que exista uma boa compatibilidade entre todos os tipos de ingredientes que os constituem, tendo em vista obter, nos artefactos produzidos, um conjunto de propriedades que satisfaça todos os requisitos e que, posteriormente, em serviço e nas condições em que este se realiza, não surjam efeitos ou fenómenos secundários, que possam vir a colocar em causa a sua funcionalidade, a sua durabilidade e, por vezes, o seu aspecto estético.
Porém, nalguns tipos de aplicações, é desejável (e é mesmo necessário!) que exista alguma incompatibilidade entre alguns tipos de ingredientes, de modo que os artefactos proporcionem, por exemplo, uma acção lubrificante superficial, de modo a reduzir o atrito com as superfícies em contacto e facilitar, por exemplo, a execução de operações de montagem. Esta acção constitui um dos requisitos de alguns componentes de borracha utilizados, por exemplo, no sector de produção de veículos automóveis.
Vimos já, nesta página, que a compatibilidade entre diversos ingredientes de mistura é função das suas características termodinâmicas de estabilidade de fase, das suas polaridades e dos seus parâmetros de solubilidade. Vimos ainda que, no caso de misturas de elastómeros (Blends), se o módulo da diferença entre os parâmetros de solubilidade dos dois tipos de borracha for <1 MPa1/2 (ou < 0,5 cal1/2.cm-3/2), as borrachas são miscíveis, isto é, são compatíveis, e que se essa diferença for superior a 1 MPa½ ou 0,5 cal½ cm-3/2, as borrachas ou são parcialmente miscíveis ou mesmo imiscíveis, o que depende da grandeza do valor dessa diferença.
Esta mesma regra aplica-se à compatibilidade que se observa entra as borrachas e os vários tipos de ingredientes. Se existir essa compatibilidade, o ingrediente não migra e pode actuar, por exemplo, como um modificador de viscosidade, um lubrificante interno, um dispersante em massa, por um dos seguintes mecanismos:
Se existir uma compatibilidade limitada ou se não existir mesmo qualquer compatibilidade, o ingrediente apresentará uma tendência para migrar para a superfície da borracha. Esta migração tanto pode ocorrer com a borracha no estado de não vulcanizada ou com a borracha no estado de vulcanizada.
Este fenómeno ocorre com vários tipos de ingredientes. São bem conhecidas as migrações de enxofre, de muitos aceleradores, de antioxidantes, de ceras de protecção, de pigmentos orgânicos, de ácidos gordos e de muitos outros ingredientes. De um modo geral, ingredientes sólidos. Este tipo de migrações (também designadas por eflorescências), é designado, na língua inglesa, por Blooming. Este tipo de fenómenos pode surgir com a borracha nos estados de não vulcanizada ou de vulcanizada. Também alguns ingredientes líquidos (os plastificantes, por exemplo), na falta de compatibilidade com o tipo de borracha, podem exsudar para a superfície da borracha, com esta nos estados de não vulcanizada ou de vulcanizada, conferindo-lhe um aspecto oleoso, geralmente brilhante, e muito desagradável ao tacto. Este tipo de migração é, na língua inglesa, designado por Bleeding.
Portanto, o tipo de manifestação superficial das migrações depende do tipo de ingrediente ou ingredientes utilizados. A maior parte das migrações superficiais que ocorrem são indesejáveis e normalmente conferem um mau aspecto ao artefacto como já referimos. Por exemplo, manchas esbranquiçadas ou levemente coloridas que surgem na sua superfície (ver Figuras 1, 2 e 3).
Figura 1 – Migração (Blooming) em folha de borracha
Figura 2 – Migração (Blooming) em solas e em calçado
Figura 3 – Migração (Blooming) na parede lateral de pneu
A capacidade, intensidade e velocidade de migração de ingredientes com solubilidade limitada ou mesmo insolúveis na borracha depende de vários factores, nomeadamente:
Vamos analisar sucessivamente estes factores:
Já referimos que quanto maior for a diferença dos parâmetros de solubilidade, maior será a tendência para a migração, que poderá apenas ser contrariada ou ampliada pela acção de outros ingredientes ou factores.
Com a Polaridade, passa-se exactamente o mesmo do que acontece com o Parâmetro de solubilidade. Uma maior ou menor polaridade resulta de uma maior ou menor distribuição de electrões nas moléculas que constituem as várias substâncias. Se as polaridades de duas substâncias são idênticas, elas são compactíveis e são miscíveis. É o “Princípio do Semelhante dissolve o Semelhante”. Portanto, quanto maior for a diferença de polaridades entre duas substâncias, maior será a sua incompatibilidade e menor será a sua miscibilidade.
As características do ingrediente, tais como a maior ou menor complexidade da sua estrutura molecular, a sua polaridade e o seu parâmetro de solubilidade determinam, no seu conjunto, a sua capacidade, intensidade e velocidade de migração. Estas são as características do aditivo, que têm de ser adequadamente selecionadas, quer para o tipo particular de composto de borracha, quer para obter o efeito pretendido.
O técnico de formulação deve dominar muito bem todos os factores envolvidos neste tipo de fenómenos, para além de conhecer muito bem as características dos aditivos que vai utilizar e suas eventuais interacções. As dosagens estabelecidas devem ser tais que não possam dar origem a migrações indesejáveis (blooming) ou, pelo contrário, se forem migrações de todo desejáveis (e bem controladas, por exemplo, as migrações de agentes lubrificantes externos), deve seleccionar e dosear os aditivos mais adequados, sem esquecer eventuais interacções com outros ingredientes presentes no composto. Deve também conhecer bem o efeito pretendido, em particular o valor do CoF a obter e a duração do efeito lubrificante.
Não podemos esquecer que, apesar de um determinado composto estar devidamente formulado, poderem surgir, por causas anormais, problemas de blooming ou de bleeding. Por exemplo, por troca de ingredientes ou por erros de pesagem. Problemas que são do foro do Sistema de Garantia de Qualidade, e que têm de ser devidamente acautelados.
A solubilidade dos diversos aditivos presentes num composto de borracha aumenta com um aumento de temperatura. Isto ocorre também no Processo de Vulcanização. Durante a fase inicial do processo, todos os aditivos ou se dissolvem, parcial ou completamente, na massa de borracha ou, pelo menos, mantêm-se completamente dispersos. Terminado o tempo de vulcanização, o artefacto de borracha arrefece. Com a diminuição de temperatura, a solubilidade dos vários aditivos também diminui; se as respectivas dosagens excederem os limites de solubilidade, os aditivos migram com maior ou menor intensidade, com maior ou menor velocidade, de acordo com a sua maior ou menor compatibilidade. Os fenómenos de solubilização e de migração passam então a ser regulados por variações da temperatura envolvente, sem esquecer as variações de concentração dos aditivos, que sempre existem e vão ocorrendo.
A maior ou menor complexidade da estrutura molecular do aditivo pode intervir, em particular, na velocidade de migração, como já referimos. Podemos ilustrar o efeito deste factor com a migração das ceras de parafina. As ceras de parafina, de menor peso molecular (C22 a C38), constituídas por cadeias hidrocarbonadas lineares, possuem uma baixa afinidade para óleos derivados do petróleo. Assim sendo, a sua tendência para migrar é reforçada. Contrariamente, as ceras de parafina microcristalinas, de peso molecular mais elevados (C45 a C60), são constituídas por cadeias hidrocarbonadas mais longas e muito ramificadas. Esta estrutura oferece uma maior resistência à migração. E, uma vez que possuem uma alta afinidade para óleos derivados do petróleo, este tipo de ceras migra muito lentamente nas borrachas.
Outros tipos de ingredientes como, por exemplo, o carbonato de cálcio, possuem uma tendência para absorver agentes lubrificantes impedindo, deste modo, a sua migração e de obter a pretendida redução do coeficiente de atrito.