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Os pneus em verde, construídos e enformados (Figura 95) antes de serem enviados para vulcanização são submetidos a uma operação de picagem (Awling), executada de forma manual ou em máquinas adequadas para o efeito; a picagem visa reduzir a possibilidade de ocorrência de defeitos originados por ar retido na carcaça. No interior do pneu em verde é aplicada, com uma pistola, uma solução/suspensão auxiliar de desmoldagem, de base aquosa, para facilitar, na fase inicial do processo de vulcanização, a acomodação do bladder no pneu e a sua desmoldagem, no termo da vulcanização. Os pneus em verde assim preparados são então enviados para as prensas de vulcanização.
Figura 95 – Pneu em verde para veículos de passageiros
Existem vários tipos de prensas de vulcanização, nomeadamente prensas mecânicas e prensas hidráulicas. As prensas do tipo Bag-O-Matic são muito utilizadas (Figuras 96 e 97).
Figura 96 – Prensa de vulcanização de pneus para veículos de passageiros
Cortesia da empresa MESNAC, Qingdao, China
Figura 97 – Aspecto de uma secção de vulcanização
Cortesia da empresa MESNAC, Qingdao, China
Existem basicamente dois tipos de moldes:
Moldes constituídos por duas partes iguais e aproximadamente simétricas. Este tipo de molde é utilizado em prensas de pratos e são geralmente aquecidos com vapor de água.
Neste tipo de moldes a zona do piso é segmentada e constituída por 6 a 12 módulos. O número de módulos depende, essencialmente, da dimensão do pneu. Além dos segmentos que constituem o piso, o molde possui ainda a parede lateral superior e a inferior, os anéis (superior e inferior correspondentes à zona de moldagem dos talões e ainda uma flange para acomodação do bladder. Este conjunto de componentes é inserido numa espécie de contentor (constituído por três partes – a parte circunferencial, tronco cónica e as placas superior e inferior), o qual dispõe dos mecanismos de articulação e de guia dos diversos componentes. Este tipo de molde é também aquecido por vapor de água.
O saco de vulcanização ou bladder tem três finalidades:
1. Transferir para o pneu em verde, a vulcanizar, a pressão que existe no seu interior e devida a vapor de água, água quente sob pressão ou azoto sob pressão;
2. Comprimir o pneu em verde contra as paredes do molde.
Simultaneamente:
3. Transferir, por condução, o calor latente dos fluidos quentes que se encontram, sob pressão, no seu interior e que podem ser vapor de água, água quente ou azoto quente, calor que é necessário para vulcanizar o pneu.
A Figura 98 mostra um pormenor do bladder instalado na prensa de vulcanização.
Figura 98 – Pormenor da prensa de vulcanização, mostrando o bladder
Cortesia da empresa MESNAC, Qingdao, China
Existem diversos tipos de bladders (Figura 99). O tipo e dimensões do bladder a utilizar são função do tipo de prensa onde vai ser instalado e das dimensões e de geometria do pneu a vulcanizar.
Figura 99 – Alguns tipos de bladder e tipos de superfícies
A superfície exterior do bladder apresenta determinados tipos de desenhos (ver alguns exemplos na Figura 99), os quais visam proporcionar o escape do ar existente entre o bladder e o interior do pneu. Existem no mercado algumas substâncias químicos especiais (misturas de hidrocarbonetos) para aplicar no exterior do bladder e que poderão contribuir para um aumento do seu tempo de vida útil.
Já atrás fizemos referência aos vários tipos de fluidos que podem ser utilizados para transferir calor e pressurizar os bladders contra o pneu em verde: vapor de água directo, água quente sob pressão, vapor de água e um gás inerte (neste caso, o vapor de água transfere o calor e o gás fornece a necessária pressão) ou, mais modernamente, somente um gás inerte aquecido, como meio de pressurizar o bladder e transferir calor. O gás normalmente utilizado é azoto de alta pureza, para evitar os inconvenientes da presença de algum anidrido carbónico e oxigénio. A utilização de azoto proporciona economia de energia, permite reduzir os ciclos de vulcanização, aumenta a durabilidade dos bladders (não sujeitos a fenómenos de oxidação tão intensos) e proporciona também economias em manutenção de redes de vapor, por eliminação dos fenómenos de corrosão.
As dimensões do bladder a utilizar dependem, como se referiu da dimensão do pneu a vulcanizar. Um bladder não pode ser demasiado pequeno, de forma que ao ser pressurizado, sofra uma distensão (radial e circunferencial) muito apreciável, o que vai reduzir o seu tempo de vida. Por outro lado, se o bladder for muito grande, a sua distensão pode não ser uniforme e pode ficar enrugado e provocar, assim, defeitos no interior do pneu. O número de pneus vulcanizados por bladder é muito variável, pois que depende dos vários factores, que veremos a seguir. No entanto, 600 a 800 pneus/bladder é um valor médio muito aceitável; alguns bladders poderão atingir umas 1000 vulcanizações, mas outros poderão vulcanizar uma centena, por vezes menos.
A vida útil de um bladder depende:
Os bladders são fabricados, normalmente, em borracha butílica com umas 5 PHR de policloropreno e a reticulação é obtida com uma resina bromada de octilfenol. As principais propriedades do composto de borracha do bladder são as seguintes:
No capítulo Formulações será apresentada uma fórmula típica para o fabrico de bladders.
Um material compósito como um pneu, constituído por uma grande diversidade de componentes, nomeadamente por um grande número de compostos de borracha com características muito diferenciadas, não surpreende que coloque, na prática, alguns problemas com a sua vulcanização. Com efeito, obter em toda a estrutura do pneu, com acentuadas variações de espessura (Figura 100), um estado óptimo de vulcanização constitui para os técnicos um desafio de difícil solução, pelo que o grande objectivo é chegar a uma boa solução de compromisso (Ver aqui, em A Determinação dos Tempos Práticos de Vulcanização). O estado de vulcanização dos compostos de borracha adjacentes a materiais de reforço influencia também os seus níveis de adesão entre estes materiais.
Figura 100 – Secção de um pneu: pontos críticos de vulcanização e transferências de calor (esquemático)
Um tempo de vulcanização bem aferido é uma das condições essenciais para se obter um pneu de boa qualidade e que apresente um óptimo desempenho.
Considerando as múltiplas variáveis envolvidas no processo de vulcanização e, inclusivamente, para cada variável, a sua própria variabilidade, e as consequências que decorrem de um processo economicamente bem conduzido em termos industriais, tendo em vista uma redução de não conformes e de custos, e tecnicamente bem conduzido em termos de desempenho e de segurança do pneu quando em serviço, vários estudos têm sido levados a cabo e vários métodos têm sido desenvolvidos no sentido de determinar o tempo óptimo de vulcanização.
Um ciclo de vulcanização de um pneu é estabelecido, por regra, como a soma dos seguintes tempos parcelares:
O tempo que constitui o factor de segurança depende de vários factores:
O desenvolvimento de muitas técnicas analíticas, o desenvolvimento de diversos tipos de equipamentos e, sobretudo de tratamento dos dados obtidos, permitiu que nos dias de hoje se tenha chegado a um nível bastante aperfeiçoado na determinação dos tempos de vulcanização de vários tipos de artefactos de borracha de elevada complexidade geométrica e constituídos por uma grande diversidade de materiais, como é o caso dos pneus. Vamos descrever, embora de uma forma sucinta, os diversos métodos utilizados, seguindo na medida a ordem cronológica do seu aparecimento.
1. Determinação do Tempo de Vulcanização pelo Método do Ponto de Porosidade (Porosity Point)
Trata-se de um método destrutivo. Consiste em vulcanizar pneus com diferentes tempos de vulcanização e observar nas várias secções executadas nos pneus, qual o tempo que corresponde ao aparecimento de porosidade – normalmente no ponto de maior espessura do pneu, que é o ombro. O Ponto de Porosidade pode tomar também a designação de Blow Point quando o estado de vulcanização é manifestamente insuficiente para impedir que os gases retidos na estrutura do pneu ou desenvolvidos na massa de borracha pela acção do calor provoquem deformações no pneu, perfeitamente visíveis a olho nu, após a sua remoção do molde de vulcanização e originadas pela formação de bolhas no seu interior. Contudo, a não existência de deformações visíveis a olho nu não significa que o pneu esteja bem vulcanizado, o que apenas poderá ser confirmado por um exame visual de uma secção cortada do pneu, com o desejável auxílio de meios ópticos (por exemplo, uma lupa).
Muitas vezes o tempo de vulcanização considerado é o mínimo tempo de vulcanização correspondente ao não aparecimento de qualquer vestígio de porosidade (PNP – Ponto de Não Porosidade), mais 3 minutos para pneus para veículos de passageiros (PNP+3 min) ou mais 5 minutos para pneus para veículos de mercadorias ou pesados de passageiros (PNP+5 min) (3 e 5 minutos são tempos de segurança), ainda acrescidos do tempo para, após a vulcanização, levar o sistema à pressão atmosférica (tp) e do tempo para abertura da prensa de vulcanização (ta).
Outros fabricantes de pneus consideram como tempo de vulcanização mínimo o tempo correspondente ao não aparecimento de qualquer vestígio de porosidade, acrescido de três tempos que constituem factores de segurança para as seguintes variações:
ainda acrescidos do tempo para, após a vulcanização, levar o sistema à pressão atmosférica (tp) e do tempo para abertura da prensa de vulcanização (ta), portanto:
Tempo de vulcanização = PNP + FS1 + FS2 + FS2 + tp + ta
Um aperfeiçoamento deste método é obtido com um equipamento denominado Analisador de Ponto de Porosidade (Blow-point Analyser). Este método entra em linha de consideração:
Uma apreciação do método indicia não estar ainda bem adaptado à determinação do tempo óptimo de vulcanização para pneus, sobretudo pela sua complexidade estrutural e pela sua geometria.
2. Método do termopar (Thermocouple Method)
Este método começou a ser aplicado nos anos 50. Na época, não existiam os meios que actualmente dispomos para o tratamento dos dados obtidos. Os meios informáticos e o software actualmente existentes permitem o registo e tratamento de toda a informação obtida, complementada com a informação da condutividade térmica, capacidade calorífica e do comportamento cinético, durante a vulcanização, dos diferentes compostos de borracha que integram toda a estrutura do pneu (ver aqui, em A Cinética da Vulcanização). Vimos nesta página que a representação de log K em função de 1/T é uma linha recta, cujo declive corresponde à energia de activação Ea. Terá de ser calculada a energia de activação para todos os compostos utilizados no fabrico do pneu. Compostos que tive a oportunidade de ensaiar apresentavam energias de activação compreendidos entre 18,64 e 20,71 kcal.mole-1. Na literatura encontrei valores de 20 kcal/mol e de 24 kcal/mole (para uma série de compostos para pneus). No seu conjunto, o valor médio dos vários compostos aproxima-se de 22 kcal.mole-1 que é o valor que vou considerar na construção do Quadro 36, onde são mostrados, para temperaturas compreendidas entre 100ºC e 204,5ºC, os factores que permitem a determinação dos tempos de vulcanização equivalentes ao tempo de vulcanização considerado base, de 1 minuto a 143ºC (290ºF) (esta, uma temperatura de referência, considerada sobretudo nas normas ASTM).
Para mostrar como se trabalha com os dados do quadro, vamos apresentar três exemplos:
Exemplo 1
Uma vulcanização de 15 minutos a uma temperatura de 143ºC é equivalente a uma vulcanização de 15/0,2106 = 71,23 minutos a 120ºC.
Exemplo 2
Uma vulcanização de 35 minutos a uma temperatura de 143ºC é equivalente a uma vulcanização de 35/10,8896 = 3,21 minutos a 184ºC.
Exemplo 3
Uma vulcanização de 85 minutos a uma temperatura de 114ºC é equivalente a uma vulcanização de 85×0,1361/6,6932 = 1,73 minutos a 175ºC. A primeira parte do cálculo (de 85×0,1361) corresponde à determinação do tempo equivalente à vulcanização a uma temperatura de 143ºC; ao dividir pelo factor correspondente a 175ºC (6,6932), obtemos o tempo de vulcanização correspondente a esta temperatura.
A Figura 101 mostra uma distribuição típica de temperaturas na zona do ombro de um pneu e a colocação de um termopar no molde e pneu, para determinação da evolução da temperatura no decurso da vulcanização. A Figura 102 mostra as localizações que são normalmente utilizadas no pneu para inserção de termopares. Os termopares mais utilizados são do tipo J, isto é, termopares ferro/constantan. Na Figura 103 mostra-se o esquema do circuito utilizado, para medição do sinal enviado pelo termopar, em milivolts.
Figura 101 – Distribuição típica de temperatura na zona do ombro de um pneu e inserção de um termopar no conjunto molde/pneu
Figura 102 – Localizações normalmente utilizadas no pneu para inserção de termopares
Figura 103 – Circuito básico para leitura do sinal fornecido pelo termopar
No Quadro 37 são indicadas as tensões, em milivolt, para temperaturas compreendidas entre 0ºC e 249ºC, para termopares tipo J (Ferro/Constantan). O Constantan é uma liga com 45% de níquel e 55% de cobre.
A aplicação de microcontroladores de avançada tecnologia à determinação das propriedades termofísicas das borrachas nas diferentes partes do pneu permitiu estabelecer, mediante uma análise de regressão, uma relação entre a condutividade calorífica e o calor específico da borracha, que é uma relação linear. Com a utilização de um software de análise por elementos finitos é possível construir um modelo do pneu a duas dimensões e posteriormente efectuar simulações do seu processo de vulcanização, para verificar qual a distribuição de temperatura nos diferentes pontos e estabelecer as suas curvas de variação. Os resultados destes ensaios mostram a grande importância das propriedades termofísicas dos diferentes compostos de borracha – o que, aliás, era de esperar, mas mostram também uma maior importância da condutividade térmica do que o calor específico – o que também não surpreende. De facto, o factor limitante na transmissão de calor é a condutividade térmica dos compostos de borracha.
A verificação da evolução de temperatura por meio de termopares, num ciclo de vulcanização de um pneu, pode ser também aplicada à análise dos fenómenos térmicos que ocorrem na superfície do molde que está em contacto com o pneu a vulcanizar, do ponto de vista da temperatura atingia e da própria transmissão de calor. É também uma análise útil, que poderá dar origem a algum tipo de melhoramento.
3. Método de Análise com Temperatura Variável (VTA – Variable Temperature Analysis)
Este método foi aplicado pela primeira vez em 1993 ao Rubber Process Analyser (RPA); esta tecnologia permitiu que o simulador de vulcanização do tipo analógico então utilizado pudesse ser substituído por um simulador do tipo digital. Este equipamento pode ser programado para efectuar o registo da evolução tempo-temperatura fornecido por um termopar (o que já acontecia), Contudo, o sistema VTA permitir criar rampas de aquecimento, com crescimento linear, que são muito mais sensíveis às variações nos tempos de pré-vulcanização do que aquelas que são mostradas num ensaio conduzido isotermicamente. Este método constitui, portanto, uma outra via de análise do comportamento das borrachas, em vez da análise isotérmica convencional efectuada em reómetros.
Apenas para que se fique com uma ideia dos tempos de vulcanização que são encontrados na prática. Os tempos de vulcanização dependem obviamente da dimensão do pneu, da constituição da sua estrutura, das características dos compostos utilizados, do tipo de prensa de vulcanização e dos fluidos de aquecimento. Portanto, recomenda-se alguma prudência na análise dos tempos que se indicam a seguir, pois são apenas duas das muitas variáveis envolvidas:
10 @ 20 minutos, a 170ºC
7 @ 20 minutos @ 180ºC
35 @ 60 minutos a 160ºC
60 @ 300 minutos @ 160ºC
Um ciclo de vulcanização de um pneu é constituído por várias fases, desde a colocação do pneu na prensa de vulcanização, no caso das prensas mostradas nas Figuras 96 e 97, de forma automática. Segue-se uma sequência de tempos, temperaturas e pressões, com a entrada de fluidos, troca de fluidos, até aos momentos finais do ciclo, com o corte de alimentação dos fluidos de pressão e de aquecimento (no bladder), entrada de fluido de arrefecimento, aplicação de vácuo no bladder, para facilitar desmoldagem e preparação de um novo ciclo (Figura 104).
Figura 104 – Variação típica de pressão e temperatura num ciclo de vulcanização de pneus
De uma forma resumida, podem considerar-se as seguintes fases do ciclo de vulcanização de um pneu para veículos de carga:
Pneu para veículo de carga vulcanizado com vapor de água e água quente (no bladder):